‘Tenho medo’. Disseram juntos, em uníssono.
Ela, ar exausto. Lágrimas ainda marcadas na face alva, olheiras e aura de quem carrega uma história triste. Naquele rosto pálido, via-se um anjo caído. Sabe-se lá que tipo de sofrer arrancara sua inocência, deixando lacunas visíveis em seu olhar.
Ele, graça e leveza. Sorriso fácil, uma quase-malandragem que tentava disfarçar quaisquer danos. Mas afinal, tristezas todos temos... Um pierrô disfarçado em arlequim.
Ela sofria de uma dor chamada passado. O medo era latente em cada momento feliz. No fundo, cada instante de alegria era uma dolorosa e lacerante facada... A pobrezinha tinha em si apenas uma certeza: ‘tristeza não tem fim, felicidade sim’.
Ele era impetuoso, ainda conseguia crer. Crer no amor, numa história feliz, num enredo próspero. Recitava sonetos com ar de convicção: ‘em seu louvor hei de espelhar meu canto...’.
‘Tenho medo’. Os olhos gritavam quase pedindo socorro.
Ela não sabia jogar. Não tinha táticas, não conhecia golpes, estava desarmada. Restava auto sabotagem, e era sua única saída quando o medo atingia o âmago.
Ele gostava de cartas. Conhecia um ou outro truque, vencera certas batalhas. Ousava para não ficar de mãos atadas.
Ela curtia dramas. Achava bonito ver mocinhas soluçando ou amores se diluindo. Uma beleza tácita e real. Adorava músicas água com açúcar, valsava nas frases chorosas.
Ele não compartilhava desse tom dramático, mas conhecia alguns clássicos românticos, e eram suficientes pra embasar seu delírio.
‘Tenho medo’. Beijavam-se com lábios trêmulos.
E assim amaram-se... Um absorvendo o medo do outro, diluindo as dúvidas, convertendo as dores.
Querer é assim, imparcial. É desejar desde a maior qualidade até o mais profundo temor.
‘Tenho medo’. Repetiam simultaneamente... ‘Medo de perder você’.